O X da Questão: os X-Men e a revolução do futuro

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X-Men é uma metáfora sobre o preconceito. Os mutantes representam toda minoria incompreendida, e por isso temida e oprimida. Charles Xavier é pela mudança pacífica, negociada. Um Martin Luther King, defendendo a negociação entre perseguidos e perseguidores. Magneto é Malcolm X, revolucionário. Defende os seus por qualquer meio necessário.
É a interpretação mais famosa das aventuras dos mutantes. É simplista. Múltiplos autores criam histórias dos heróis desde 1963. Emprestaram sensibilidades diversas, em períodos históricos completamente diversos, aos personagens criados por Stan Lee e Jack Kirby. Criaram outros X-Men, novos e diferentes. Chris Claremont, um inglês hippie, e John Byrne, um caretão canadense, criaram as histórias mais importantes. Inspiraram os filmes, e também este novo.
Foi sob Claremont e Byrne que os X-Men se tornaram o gibi mais popular do planeta, e Wolverine, Tempestade, Cíclope, Noturno, Vampira e companhia viraram marcas registradas. Jean Grey é a Gwen Stacy da minha geração, a namorada que nosso herói não podia perder, a perda que jamais iria sobrepujar.
Eu, aos 14, tinha uma quedinha por Kitty Pryde, 13. Fiquei besta aos 15 ao abrir Uncanny X-Men número 141 e conhecer Kate, sua versão adulta e sofrida, marcada pela perseguição e a perda. Era a primeira página de Days of Future Past, a saga que mostrou que a luta dos X-Men teria final infeliz. Um futuro distópico, inumano. Com humanos oprimidos e mutantes lado a lado em campos de concentração, marcados e abatidos como gado.
Neste futuro o arqui-inimigo Magneto se faz aliado. Claremont, liberal, fez de Erik Lensherr um sobrevivente do holocausto nazista. Um homem com uma causa, e radical de estofo, não um vilão genérico. Demarcou os lados da batalha entre mutantes reformistas e revolucionários. Mas Dias de Um Futuro Esquecido é sobre outro embate ideológico.
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Reforma ou revolução valia discussão nos anos 70. Soa obsoleta em 2014, salvo para as fronteiras do capitalismo. Nem tanto, como gritam as periferias do mundo e das nossas cidades. Mas o século 21 impõe novos enfrentamentos. Vivemos no futuro de Lee e Claremont, dos X-Men, no meu próprio futuro. É um tempo de maravilhas. A marca principal de nossa época é a discrepância crescente entre o avanço e o atraso.
Dá vertigem a velocidade das mudanças nos costumes, na conexão, na tecnologia. São, para todos efeitos, revolução, como admitiu a contragosto o marxista Eric Hobsbawn. Por isso choca mais o contraste com um mundo ainda sem água e luz, sem direitos mínimos ou representação, iletrado, ilógico.
A Terra é um paraíso e um inferno. Transforma-se e resiste a mínimas tentativas de transformação. Até nas nossas sociedades mais avançadas confundimos liberdade de ter e de ser. E na era da comunicação instantânea, continuamos a eleger e delegar poder a representantes a cada quatro anos, como no século 18.
A distância não para de aumentar. Vivemos, como nunca na história, uma batalha entre o futuro e o passado. É o mito fundador dos mutantes, em 1963, recuperado e resumido por Grant Morrison quando escreveu o gibi no século 21: "os X-Men são a juventude enfrentando os adultos".
Tá na cara. O quartel general dos X-Men é uma escola. O time original era puro drama de colegiais: um playboy, um crânio, um molecão, um CDF inseguro, e a menina maravilhosa pela qual todos estão apaixonados. Anjo, Fera, Homem de Gelo, Cíclope e Jean Grey foram reunidos por um veterano da segunda guerra mundial, e portanto com mais que o dobro da idade deles, Charles Xavier. A missão deles é aperfeiçoar os poderes recém-recebidos e usá-los para combater mutantes criminosos, proteger a humanidade, e construir um futuro em que mutantes e humanos convivam em paz.
Os poderes mutantes só afloram na adolescência. Entendeu? Os X-Men são tesão. Jovens, atirados, de todos os países, cores, origens. São sexo à flor da pele, hormônios jorrando, músculos e barba e peitos crescendo, instinto tribal e individuação, confusão e certeza nos volumes máximos. Missão e urgência de mudar o mundo e mudar agora. Porque o mundo é seu, o futuro é seu, e não de seus pais ou avós.
Como no recente Capitão América, e em Godzilla, no novo filme dos X-Men o establishment é desprezível, e tratado aos pontapés. Líderes são protoditadores venais – Magneto ameaça matar Richard Nixon, presidente corrupto, brutal.  A Shield não é sua amiguinha, é o inimigo. A estratégia militar para matar o monstro o fará mais forte. É isso que está sendo ensinado aos jovens, em 3D multimilionário. Surpresa nenhuma que a rapaziada acredite. E aja de acordo. Os próximos anos prometem.
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Neste combate cinematográfico entre o futuro e o passado, alguns sinais estão trocados. Wolverine é sempre puro instinto animal, moleque marrento. Xavier, o adulto cheio de certezas.  A premissa do filme é que os humanos, assustados com os mutantes, criaram robôs superpoderosos para combatê-los, e estas máquinas sentinelas tomaram o poder no planeta, exterminando quase todos os mutantes.
Wolverine viaja no tempo. Volta do futuro amadurecido. Tem que mudar o passado para que esse futuro de horror nunca esqueça. Para isso, precisa botar juízo e esperança na cabeça vazia do jovem Charles Xavier, riquinho, amargo, viciado em drogas. Logan, o eterno outsider, precisa ensinar Charles o que é um líder. O planeta nunca teve tantos jovens quanto em 2014. Nunca terá tantos velhos quanto em 2050. Grande mudança, grande oportunidade.
Numa cena chave, Wolverine e o professor Xavier do futuro se comunicam com o jovem Xavier. É a experiência aconselhando a juventude. Experiência de quem lutou, perdeu e sobrevive para lutar mais uma vez, a última vez. O que eles dizem é: mantenha a esperança. O futuro é seu, e depende das decisões e ações de hoje. A batalha pela alma de Raven, Mística, é a batalha pela alma do futuro.
O que faz um líder? Perguntei na entrevista coletiva para Patrick Stewart. Não se vive Charles Xavier impunemente. Nem o capitão Jean-Luc Picard, comandante da Enterprise, nativo do século 24. Stewart é ator inglês, formação de teatro, Shakespeare etc. Imaginei que tivesse refletido um pouquinho sobre a natureza da liderança. Nunca esquecerei sua resposta: é a capacidade de se colocar no lugar do outro. O maior dos poderes, quem diria, é a empatia. Disse mais. O vídeo está aqui.
O filme termina com uma mensagem de otimismo que ultrapassa o limite da utopia. Não só o futuro é nosso para moldar, mas até os erros do passado podem, devem ser deletados. Cada ação é uma nova chance. Equilíbrio impossível entre experiência de coroa e arroubo juvenil? Pois é para isso que existem super-heróis, para nos convencer do impossível. Por isso este é o filme dos X-Men mais verdadeiro. O filme dos X-Men necessário para aqui e agora.
Filosofia demais para uma matinê? A sabedoria está onde você a encontra e a ideologia está em todo lugar. Vejo o filme não como o conjunto de seus muitos acertos e variados deslizes cinematográficos. Li X-Men ininterruptamente entre 1979 e 2004. Conheço os mutantes como as rugas na minha cara.
Entendo este filme como a imposição de uma escolha. Entre um futuro multiétnico, multipolar, multigeracional. Anárquico, porque sem a hegemonia de autoridades inquestionáveis, moral, religiosa, econômica, militar. Heterogêneo, e portanto fundamentado na tolerância e colaboração entre desiguais, e portanto reformista, e estabelecido sobre regras claras e consensadas. Mas muito mais homogêneo na distribuição de oportunidades - e portanto revolucionário na quebra de privilégios. Um futuro com muito de caos e imperfeição, mas um futuro de esperança e tolerância.
A alternativa é um futuro passado, pretérito, esquecido.
Escolher nosso caminho - este é o X da questão.
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..::Matéria de André Forastieri::..

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