Com medo de extradição, não vai para a reunião da Fifa na Suíça. Nem ao sorteio na Rússia. Seleção fica órfã na definição das Eliminatórias. Guerra à vista…
"Se nós não tivermos representatividade na reunião da Fifa no dia 20, se não for ninguém com medo de ir na Suíça, então é hora de zerar a pedra e começar de novo. Não podemos não ter o presidente da CBF na Copa América e não podemos não ter o presidente da CBF na reunião da Fifa que funciona para decidir o destino do futebolmundial. O Brasil é peça importante. Então vai caber a ele (Marco Polo Del Nero) ter que entender que não pode mais exercer o cargo (se não for à Suíça)."
Esse foi o discurso de Galvão Bueno, encarando a câmera, em tom editoral, no programa Bem, Amigos, no canal de esportes da TV Globo, Sportv. Era a noite do dia 6. Há 12 dias.
Ninguém na tevê tem o direito de falar em tom editoral sem que a direção saiba. Ainda mais o dono da voz oficial de esportes da emissora. Galvão intimou Marco Polo del Nero e a cúpula da Globo sabia. Era mais do que um recado. Uma ameaça. Ou Marco Polo cuidasse dos interesses da Seleção ou perderia o apoio da empresa que detém o monopólio do futebol e da Seleção desde a Ditadura Militar.
Pois Marco Polo del Nero aceitou o desafio. Como o próprio Galvão Bueno frisou, o presidente da CBF tem medo. Seu grande parceiro, o ex-presidente da CBF, José Maria Marin está preso na Suíça. Com crises de choro, amedrontado com a possibilidade de ser extraditado para os Estados Unidos, onde deverá ser julgado por corrupção, lavagem de dinheiro. Sua pena pode chegar a 20 anos. O fato de ter 83 anos não ameniza o poder da justiça norte-americana.
Marco Polo foi vice de Marin. Tomavam juntos as principais decisões em relação ao futebol brasileiro, à Seleção. Quanto às negociações, ninguém sabe se assinavam documentos juntos. Del Nero diz que não. Mas se houver qualquer acusação do FBI ou do Departamento de Justiça Norte-Americana, a pior coisa que ele poderia fazer seria sair do Brasil.
Em nome da 'autonomia nacional', as extradições no país são quase impossíveis. Ao contrário de vários países pelo mundo. Por isso Marco Polo não foi ao Chile acompanhar a Seleção na Copa América. E por isso não vai para a Suíça, na importantíssima reunião de segunda-feira.
O interesse da Globo é a proteção à Seleção Brasileira. A emissora sabe que o time de Dunga não desperta confiança. A geração de jogadores se mostrou imatura e fraca tecnicamente na primeira competição após o vexame da Copa do Mundo. A eliminação da Copa América, diante dos paraguaios frustrou novamente a população. A rejeição à Seleção é algo evidente nos índices de audiência, nas pesquisas. Nas vaias nos estádios.
Galvão e os executivos globais queriam que a Seleção não estivesse órfã na reunião. Por vários motivos. O principal. O Brasil exercer seu prestígio de pentacampeão do mundo no sorteio das Eliminatórias, marcado para o próximo sábado, na Rússia. Não é possível escolher a sequências dos adversários, evidente. Mas pelo menos seria fundamental ter os dois primeiros jogos em casa.
A razão é a suspensão de Neymar. Por uma estúpida decisão da CBF, a entidade não recorreu da pena de quatro partidas impostas pela Conmebol ao principal jogador brasileiro. A Globo fez questão de noticiar que a decisão foi de Dunga. Ele queria mostrar que o grupo poderia viver sem o atacante do Barcelona. E que passaria pelo Paraguai. E faria os dois últimos jogos da Copa América, a semifinal, a final ou a decisão do terceiro lugar. Com a Seleção disputando mais duas partidas, Neymar estaria livre para as Eliminatórias.
Mas tudo o que Dunga acabou provando é o quanto continua refém de Neymar. Sem ele, o Brasil sucumbiu diante dos paraguaios. E ele tem dois jogos para cumprir nas Eliminatórias Sul-Americanas.
O Brasil estagnou. Mas os adversários cresceram. Não só na técnica como taticamente. Argentinos, chilenos, uruguaios, colombianos e paraguaios são rivais perigosos de verdade. Peruanos formam uma grupo emergente. Equador e Bolívia têm a altitude como cúmplice. E até os venezuelanos melhoraram.
Não será fácil a disputa das quatro vagas diretas para a Copa de 2018. O quinto lugar vale a repescagem.
A Globo ganhou da Fifa o direito de transmitir os Mundiais da Rússia e do Catar. Não houve nem abertura para a concorrência nas tevês abertas brasileiras. Foi um prêmio pela parceria, cumplicidade com a Fifa na Copa de 2014. Só que de nada adiantaria ter a exclusividade se o Brasil estiver de fora da Copa de 2018. Seria caótico. Prejuízo bilionário.
Com o fracasso na Copa América, a Globo já perdeu o Brasil na Copa das Confederações em 2017. Depois de sete consecutivas disputas do torneio. Isso é péssimo nesta crise econômica. Pode espantar os patrocinadores que bancam R$ 1,6 bilhão para mostrar o futebol. A Coca Cola, parceira de muitos anos, já desistiu. Percebeu o crescente desinteresse, a desilusão do brasileiro com a Seleção.
A ausência de Marco Polo não só na reunião de segunda-feira na Suíça, como também no sorteio das Eliminatórias, deixa a Seleção órfã. Ninguém tem a representatividade do presidente da CBF para brigar pelos interesses da Seleção. Da Globo. Por isso a revolta de Galvão.
Nenhuma empresa deste país quer o sucesso da Seleção nas Eliminatórias, na Copa, como a Globo. Significa lucro. Além da apreensão sobre Neymar e o caminho brasileiro, há um item importantíssimo. Os dias e horários dos jogos.
Os presidentes da CBF costumam brigar para o que é melhor para a emissora. Levam bilhetes com os dias e horários ideais dos jogos. Para que não atrapalhem a novela, Fausto Silva, Luciano Huck. Sem Marco Polo, as partidas podem travar a grade de programação da emissora. E atrapalhar os patrocinadores das novelas, por exemplo. Outro imenso motivo de irritação da Globo. E razão para que o dirigente viajasse para a Suíça e Rússia. Mas ele não vai.
A emissora pode mudar a postura em relação ao futebol no país. Assim como o seu principal programa, o Fantástico, passou a mostrar as mazelas do governo federal, o tom da cobertura do esporte poderá de ser tão festiva. A situação é gravíssima na CBF.
O ex-presidente está encarcerado, preso na Suíça. O atual não pode deixar o país. A situação de Marco Polo é inviável para o futebol brasileiro.
Na noite do dia 6, só quem é desprovido de neurônios não compreendeu a mensagem de Galvão Bueno.
"Então vai caber a ele (Marco Polo Del Nero) ter que entender que não pode mais exercer o cargo (se não for à Suíça)."
No discurso estava implícito. Ou o dirigente fosse para a Suíça ou renunciasse. Foi um desafio público. Marco Polo não vai fazer nem uma coisa nem outra. Com a desculpa da CPI da CBF em Brasília, ele está arregimentando aliados nas federações para se fortalecer. E se preparar até mesmo para uma pressão para sua renúncia por parte da Globo. Esperto, Marco Polo sabe que a emissora tem condições de jogar a opinião pública contra ele. Mas está se preparando para resistir. Quer os presidentes das federações com ele em todas as decisões.
Tomará todas as decisões do seu luxuoso gabinete no milionário prédio da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio. No máximo, irá para Brasília acompanhar e depor na CPI. Sabe que será convocado.
O dirigente já sabe que a Conmebol deve mesmo exigir apenas duas sedes para a disputa do Mundial. Não haverá como fazer política, agradar vários governadores, prefeitos, com Ricardo Teixeira fazia. Por exemplo, para 2010 a Seleção jogou em sete cidades. Rio de Janeiro (três jogos), São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e Campo Grande.
Sendo apenas duas sedes, uma está definida. Será no Rio de Janeiro, no Maracanã. A outra está entre Salvador ou Recife. Nada de cidades com torcidas impacientes, exigentes como São Paulo ou Porto Alegre.
Quanto a Neymar, já mandou o departamento jurídico apelar à última instância, para o Tribunal Arbitral Autônomo da Fifa. Del Nero tem esperança de ao menos diminuir os dois jogos suspensos. E ele ficar fora apenas da primeira partida das Eliminatórias.
Sem hipocrisia, a ausência do presidente da CBF na reunião da Fifa é lamentável. Na segunda-feira ficará definida também o que a entidade fará em relação à sucessão de Blatter. Fora todas as discussões sobre as Eliminatórias. Depois, no próximo sábado, nos sorteios, outra vez o país estará órfão. Mande o representante que for, não será a mesma coisa.
A Globo já previa a ausência de Del Nero.
E por isso já sugeriu a renúncia.
Só que Marco Polo não viajará e nem aceitou a sugestão de ir embora.
Mais.
Promete mostrar que quem manda no futebol brasileiro é ele.
Guerra à vista...
por Cosme Rímoli